Em meio ao noticiário assustador das enchentes – que inclui agora o desastre da queda da ponte sobre o Rio Jacuí em Agudo –, tendo como pano de fundo as dezenas de mortos em vários Estados do país, a questão que a sociedade levanta é da capacidade do poder público de adotar um projeto estratégico de prevenção em relação às tragédias climáticas.
Cada vez mais frequentes, essas tragédias mostram fatos imprevisíveis, mas envolvem também a necessidade de um planejamento que torne tais episódios menos inevitáveis. Há várias questões entremeadas. Uma delas, de longo prazo, é a da política de uso do solo, seja para a agricultura, seja na ocupação urbana. O país tem adotado, de maneira quase geral, políticas lenientes e tolerantes. Segundo a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para o Direito à Moradia, os governos têm “medo de planejamento e organização”. A ocupação indiscriminada das beiras de rios ou das costas marítimas é o resultado de uma falta de legislação adequada, de fiscalização competente e de falta de consciência ambiental, ou das três coisas juntas.
Mesmo que cada um dos episódios dos últimos dias – o do Rio Jacuí, o de Angra dos Reis ou o da cidade paulista de Paraitinga – não guarde relação com uma causa única, não há dúvida quanto à influência das questões climáticas e do desrespeito ambiental nas várias tragédias. Direta ou indiretamente, a agricultura predatória, a derrubada das matas e a loucura do clima poderiam e deveriam ter sido limitadas por decisão dos governos e das comunidades. Num processo que envolve acúmulo de equívocos, nosso país e o mundo sofrem, agora impotentes, os efeitos de seus erros.
A frequência com que se repetem inundações, temporais, deslizamentos, furacões ou, no outro extremo, secas e incêndios, revela um descontrole que exige no mínimo uma nova postura das autoridades diante das tragédias em geral. As tradicionais “defesas civis” tornaram-se instituições cuja atuação já não se pode dizer que seja eventual. Ao contrário, transformaram-se em organismos cada vez mais estruturados e demandados. Deles se exige que tenham logística, mobilidade e flexibilidade. São uma espécie de pronto-socorro para os desastres de magnitude, que infelizmente não têm sido raros.
A gravidade da queda da ponte do Jacuí enseja, por isso, reflexão sobre a necessidade e a urgência de medidas permanentes, de caráter até mesmo supranacional, para garantir a preservação de condições que tornem o clima não uma ameaça, por sua instabilidade, mas uma garantia para as populações e para as lavouras. Fala-se, com razão, que essas ocorrências climáticas são tragédias anunciadas, que se repetirão em maio, em agosto e novamente em janeiro. Resta saber quando a sociedade e o poder público terão condições de contrapor à inevitabilidade das enchentes e à frequência com que ocorrem um mínimo de providências corretivas na área das estradas e pontes e na política ambiental.